Pequena Sincronicidade
Decidi ir escrevendo num guardanapo o que vi enquanto te via.
Quando pediste o café curto e esvaziaste o pacote de açúcar no cinzeiro percebi que alguma coisa séria te preocupava, apesar da gargalhada. Alguma coisa importante; não me parece que consigas permitir esse momento de delícia a quem te observa - mesmo que à distância de umas boas três filas de mesas e cadeiras - consciente de que o fazes.
Nesse fim de tarde estavas húmida, mas o teu impermeável, no bengaleiro, encharcado. Uma boa compra. Sorrias se davas uma passa realmente saborosa. Nunca tinha visto ninguém, com mais de 15 anos de cigarros, pelo menos, relacionar-se assim com eles. A maior parte dos fumadores já não sente o que fuma. Aliás... A maior parte dos fumadores já não sabe bem se tem um cigarro aceso ou se precisa de acender outro.
Durante vinte minutos não paraste de escrever, que eu vi. Quando te certificaste que as mãos estavam tão secas quanto iriam ficar e quanto a chávena poderia contribuir, desdobraste um guardanapo de papel, fizeste dele uma folha quadrada e começaste a rabiscar. Quando finalmente terminaste chegou outro café, que ficou gelado e que tinhas pedido porque te apeteceu o pequeno chocolate que trazia.
Deixaste duas moedas perto da chávena mas não no pires. Em cima da mesa. Levantaste-te e sorriste para o dono, atrás do balcão. Passaste por mim e entregaste-me o guardanapo enrugado numa bola. Vestiste o impermeável e entraste na rua, onde continuava a chover.
Pedi a conta e guardei o livro que não tinha chegado a abrir. Desdobrei o guardanapo e li o que tinhas estado a escrever. Se bem percebi a tua letra, dizia:
Decidiste ir escrevendo num guardanapo o que viste enquanto me vias. Quando pedi o café curto e esvaziei o pacote de açúcar no cinzeiro percebeste que alguma coisa séria me preocupava, apesar da gargalhada. Alguma coisa importante; não te parece que eu consiga permitir esse momento de delícia a quem me observa - mesmo que à distância de umas boas três filas de mesas e cadeiras - consciente de que o faço.
Nesse fim de tarde estava húmida, mas o meu impermeável, no bengaleiro, encharcado. Uma boa compra. Sorria se dava uma passa realmente saborosa. Nunca tinhas visto ninguém, com mais de 15 anos de cigarros, pelo menos, relacionar-se assim com eles. A maior parte dos fumadores já não sente o que fuma. Aliás... A maior parte dos fumadores já não sabe bem se tem um cigarro aceso ou se precisa de acender outro.
Durante vinte minutos não parei de escrever, que tu viste. Quando me certifiquei que tinha as mãos tão secas quanto iriam ficar e quanto a chávena poderia contribuír, desdobrei um guardanapo de papel, fiz dele uma folha quadrada e comecei a rabiscar. Quando terminei chegou outro café, que ficou gelado e que tinha pedido porque me apeteceu o pequeno chocolate que trazia.
Deixei duas moedas perto da chávena mas não no pires. Em cima da mesa. Levantei-me e sorri para o dono, atrás do balcão. Passei por ti e entreguei-te o guardanapo enrugado numa bola. Vesti o impermeável e entrei na rua, onde continuava a chover.
Pediste a conta e guardaste o livro que não tinhas chegado a abrir. Desdobraste o guardanapo e leste o que eu tinha estado a escrever. Ficaste tão perturbado que achas que não tens a certeza de ter percebido a minha letra.
25 daguerreótipos:
magnífico! :)
muito bom :)
a cena do açucar no cinzeiro dá-me calafrios...
jm
http://mblog.com/rain_song/
E... se... a Transparência....a Mónada não tem portas nem janelas.
sincronicidade de estremecer! coexistem há tto tempo que o silêncio cúmplice ultrapassa a comunicação. rara sintonia
eu sabia que 'tínhamos' escritor
:)
muito fixe :) embora seja um atrevimento muito grande insinuar que duas pessoas possam estar a pensar exactamente o mesmo. por mais sincronizados que estejam os seus espíritos. as percepções são sempre diferentes.
mas gostei bastante. vende.
o ultimo post é meu. esqueci-me de assinar :)
pns
gostei do texto :)
momento de rara, diria mesmo irreal, sincronia -
curioso pensar como a rotina de tantos dos nossos gestos, movimentos e percursos diários, nos torna semelhantes em vários aspectos; haverá, por isso, 'coisas' em nós que são como 'livros abertos'?...
curioso pensar como, por vezes, olhando o outro, retornamos a nós mesmos, e os nossos pensamentos são-nos surpreendentemente devolvidos...
curioso pensar na possibilidade de existirem momentos assim, raros, de tão exacta sincronia...
margem
pns, que tu nunca tenhas sentido a possibilidade de tal acontecer, é apenas algo que quem perde és tu. mas não menosprezes os outros por falhas ou incompreensões que são apenas tuas.
quanto ao vende.... nem sei que resposta merece.
contente seria eu, se de facto vendesse.....
:)
Gostei bastante. Muito na onda das verdades quase verdadeiras do José Luís Peixoto.
Agradam-me instantes partilhados por dois estranhos que muito provavelmente nunca mais se irão reencontrar...
"embora seja um atrevimento muito grande insinuar que duas pessoas possam estar a pensar exactamente o mesmo."
A sorte protege os audazes...
"Vende."
Prometes?
"Gostei bastante. Muito na onda das verdades quase verdadeiras do José Luís Peixoto. "
o-oh...! e isso é bom, corpo?!
:-)
:):):)!!!!!Tu conheces estes gajos????!!!!!Antes ir à barraca das farturas perguntar se vende, se há comunicação entre inconscientes, se esta vida tem algumsentido, se há comunicação sequer!!!!!!!!!
Ser criativo é ter ideias, originalidade criativa; ser escriba é saber passá-las ao papel; ser escritor (e assim continue a ser!) é tudo isso, e muito mais, como por exemplo saber que pode dar erros, que alguém cuidará de os emendar. Não te reconheço no que sei que tu próprio não te conheces, mas reafirmo o que sempre disse: és um chapéuzinho de muitas cores!
N.
"Gostei bastante. Muito na onda das verdades quase verdadeiras do José Luís Peixoto. "
o-oh...! e isso é bom, corpo?!
Para mim é.
;)
dá que pensar.
gostei :o) **
N., a generosa!!! ;-)
Anonimamente te escrevo para me posicionar como potencial compradora de tudo quanto escreveres a partir de agora.
ali CMgraw
Done!
Uma amiga minha falou-me que tinha lido um texto teu que a fez lembrar um texto meu escrito dia 29 de setembro... de facto faz algum sentido, aqui fica o meu:
Mudar de pele
Quanto a vida teima em não chegar e nos perdemos nas horas percebemos que a sombra tem virtudes que a luz desconhece. A minha história é o cinzento escuro da sombra. Conheci em tempos um homem chamado Pedro que morava num ermo, sozinho entre os seus livros. Os dias escorriam por entre as letras, as páginas que folheava, enquanto estava sentado no seu sofá cor de caramelo gasto. Pedro acabara de começar um novo livro. A capa era em veludo sangue, as páginas densas, pesadas como as horas, a ansiedade de Pedro tomara-lhe o corpo, tinha de começar a devorar o livro! As letras narravam a Pedro a vida de um indivíduo, só acompanhado pelas bruxas que voavam por cima do seu telhado à noite. O espaço primava pela claustrofobia. Uma mesa e uma cadeira de pinho, uma lareira, um velho sofá castanho claro. Pedro sentiu um arrepio e imediatamente colocou mais uma cavaca, os dias estavam cada vez mais frios. Continou a ler, o homem do livro gostava de ficar sentado no seu sofá a imaginar vidas possíveis, diferentes daquela que lhe tinha sido reservada, mas o calor tomou-lhe o corpo inerte. O individuo decidiu fazer das suas horas, horas de leitura, pegou num livro com uma capa estranha, veludo sangue... páginas densas... Pedro deu um salto. Acabara de se aperceber que aquela história era a sua própria história. O desespero tomou conta de si. Continuou a ler, tudo batia certo até o rasgo final de loucura, em que Pedro tomado pelo dor corria corria e o destino era sempre o mesmo, o seu ermo, o seu sofá, aquele livro. Vezes sem conta. Pedro era um homem condenado a sua própria sombra.
está na pag. http://www.cup.cgd.pt/Cup/Funcionalidades/Passatempo/01/Detalhe.aspx?id=3
*s
Cat.
lisacatarina@hotmail.com
O Pedro e o resto é outra pequena sincronicidade, não é? Estas coisas só não deixam de ser pequenas por não existirem. Shame on us...
"pns, que tu nunca tenhas sentido a possibilidade de tal acontecer, é apenas algo que quem perde és tu. mas não menosprezes os outros por falhas ou incompreensões que são apenas tuas."
não, não, claro que não menosprezo. como disse, gostei daquilo que o Paulo escreveu. e eu já senti a possibilidade disso acontecer... acontece que por vezes acredito que a sincronicidade é mais aparente que real, apenas isso
"quanto ao vende.... nem sei que resposta merece.
contente seria eu, se de facto vendesse....."
claro que vende. e vende pelo bom gosto. está bem escrito, e uma larga audiência acolhe. a cena do "vender" não foi depreciativa, antes pelo contrário.
não me interpretem mal. insisto - gostei. só que acho que, apesar de conhecer o Paulo, e da minha (grande) consideração por ele, devo dizer as coisas que penso - estando certas ou erradas, mas penso que não é isso que está em causa.
"embora seja um atrevimento muito grande insinuar que duas pessoas possam estar a pensar exactamente o mesmo."
A sorte protege os audazes...
"Vende."
Prometes?
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"A sorte protege os audazes" + "Vende" - claro ! Mas claro que vende, rapaz. Mas vende bem e com bom gosto. Eu não posso prometer nada, apenas antevejo que com escritos dessa qualidade, tens aí um bom diamante a lapidar. ;)
pns
lol, pns, quando te perguntei se prometias que vendia estava na pura das tangas. pá, este blog termina mesmo aqui!
Tens que acreditar, satori. Acredita!
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