Nunca estive noutro lugar senão aqui, nunca ninguém me tirou daqui. Basta de me armar em criança que de tanto ouvir dizer que foi uma cegonha que a trouxe, acaba por se lembrar do campanário onde essa cegonha fazia ninho e do tipo de vida que aí levava antes de vir ao mundo. Não falarei mais de corpos e de trajectórias, do céu e da terra, não sei o que isso é. Eles disseram-me, explicaram-me, descreveram-me como é isso tudo, e para que serve, mil e uma vezes, uns a seguir aos outros, com as intenções mais variadas, numa unanimidade absoluta, até eu parecer que estava de facto a par. Quem diria, ao ouvir-me, que nunca vi nada, nunca ouvi nada a não ser as suas vozes? (...) Chegou a minha vez de fingir que estou morto, a mim que eles não souberam fazer nascer, e a carapaça de monstro que me envolve apodrecerá. Mas é totalmente uma questão de voz, qualquer outra metáfora é imprópria.
Samuel Beckett | O Inominável | 1949 / Nan Goldin | Anthony By The Sea | 1979
5 daguerreótipos:
enches-nos de palavras e imagens inexplicáveis. obrigada
O Beckett a ilustrar a Nan Goldin (ou vice-versa)...
Um encontro inusitado que resulta extraordinariamente bem!!
:)
um beijinho. gosto dos teus textos.
Obrigado, Cândida; mas olha que este é do Beckett...
;-)
oopss! que argolada!:)
de qualquer modo gosto do teu blog. não só dos teus textos como dos excertos de outros autores que seleccionas. como o de beckett que, muito honestamente, nunca li.
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