sexta-feira, julho 15

Pequena Sincronicidade

Decidi ir escrevendo num guardanapo o que vi enquanto te via.
Quando pediste o café curto e esvaziaste o pacote de açúcar no cinzeiro percebi que alguma coisa séria te preocupava, apesar da gargalhada. Alguma coisa importante; não me parece que consigas permitir esse momento de delícia a quem te observa - mesmo que à distância de umas boas três filas de mesas e cadeiras - consciente de que o fazes.


Nesse fim de tarde estavas húmida, mas o teu impermeável, no bengaleiro, encharcado. Uma boa compra. Sorrias se davas uma passa realmente saborosa. Nunca tinha visto ninguém, com mais de 15 anos de cigarros, pelo menos, relacionar-se assim com eles. A maior parte dos fumadores já não sente o que fuma. Aliás... A maior parte dos fumadores já não sabe bem se tem um cigarro aceso ou se precisa de acender outro.


Durante vinte minutos não paraste de escrever, que eu vi. Quando te certificaste que as mãos estavam tão secas quanto iriam ficar e quanto a chávena poderia contribuir, desdobraste um guardanapo de papel, fizeste dele uma folha quadrada e começaste a rabiscar. Quando finalmente terminaste chegou outro café, que ficou gelado e que tinhas pedido porque te apeteceu o pequeno chocolate que trazia.


Deixaste duas moedas perto da chávena mas não no pires. Em cima da mesa. Levantaste-te e sorriste para o dono, atrás do balcão. Passaste por mim e entregaste-me o guardanapo enrugado numa bola. Vestiste o impermeável e entraste na rua, onde continuava a chover.


Pedi a conta e guardei o livro que não tinha chegado a abrir. Desdobrei o guardanapo e li o que tinhas estado a escrever. Se bem percebi a tua letra, dizia:




Decidiste ir escrevendo num guardanapo o que viste enquanto me vias. Quando pedi o café curto e esvaziei o pacote de açúcar no cinzeiro percebeste que alguma coisa séria me preocupava, apesar da gargalhada. Alguma coisa importante; não te parece que eu consiga permitir esse momento de delícia a quem me observa - mesmo que à distância de umas boas três filas de mesas e cadeiras - consciente de que o faço.


Nesse fim de tarde estava húmida, mas o meu impermeável, no bengaleiro, encharcado. Uma boa compra. Sorria se dava uma passa realmente saborosa. Nunca tinhas visto ninguém, com mais de 15 anos de cigarros, pelo menos, relacionar-se assim com eles. A maior parte dos fumadores já não sente o que fuma. Aliás... A maior parte dos fumadores já não sabe bem se tem um cigarro aceso ou se precisa de acender outro.


Durante vinte minutos não parei de escrever, que tu viste. Quando me certifiquei que tinha as mãos tão secas quanto iriam ficar e quanto a chávena poderia contribuír, desdobrei um guardanapo de papel, fiz dele uma folha quadrada e comecei a rabiscar. Quando terminei chegou outro café, que ficou gelado e que tinha pedido porque me apeteceu o pequeno chocolate que trazia.


Deixei duas moedas perto da chávena mas não no pires. Em cima da mesa. Levantei-me e sorri para o dono, atrás do balcão. Passei por ti e entreguei-te o guardanapo enrugado numa bola. Vesti o impermeável e entrei na rua, onde continuava a chover.


Pediste a conta e guardaste o livro que não tinhas chegado a abrir. Desdobraste o guardanapo e leste o que eu tinha estado a escrever. Ficaste tão perturbado que achas que não tens a certeza de ter percebido a minha letra.

3 daguerreótipos:

Anonymous Anónimo said...

o espelho, o prisma, a dualidade de realidades. da mesma realidade.

muito bom.

5:58 da tarde  
Blogger  said...

Adorei este texto, já o tinha lido faz uns tempo e hoje o reencontro.

1:40 da tarde  
Blogger moakys said...

Nem sei como te descobri... Só percebi que não era teu o texto depois de ter lido um dos comentários. Mas gostei dos momentos em que pensei que era teu!

4:00 da tarde  

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